domingo, 24 de janeiro de 2010

As crianças


Através de uma amiga soube de um belíssimo trabalho voluntário com crianças realizado em um hospital público. Como era um desejo antigo fazer esse tipo de trabalho entrei em contato com as responsáveis e fui para a primeira avaliação. Senti uma mistura de medo, ansiedade e felicidade, pois apesar de não saber como seria, minha vontade de estar ali e começar logo era enorme. Após esclarecimentos e o preenchimento de papéis eu e um grupo fomos conhecer o hospital. Entramos em uma enfermaria infantil, onde vi algumas crianças sozinhas, outras com suas mães, algumas com livrinhos nas mãos, sorrindo. Um pedaço do meu coração ficou ali, queria poder ficar, mas saímos rapidamente para dar continuidade a visita. Passamos pela porta de vários setores, sem poder entrar para conhecê-los. Fomos até a biblioteca, o ambulatório... depois encerramos a reunião e cada um seguiu seu caminho. Fiquei triste ao constatar que haviam poucos voluntários para um trabalho tão bonito e necessário. Faltava gente, sobrava trabalho.

Meu primeiro dia de capacitação foi com a Lúcia, antiga voluntária que se disponibilizou a me orientar. Fomos para a bilbioteca. A primeira criança a aparecer foi um menino que queria um livro sobre dragões. Achamos alguns e ele ficou encantado. A pedido dele li três vezes a mesma história, e só mudamos de livro pois chegaram mais crianças. Cada uma escolheu uma historinha, e até as que pareciam não estar interessadas na leitura pararam para ouvir e participar. Na hora de ir embora fui até a UTI para ver minha amiga e lá vi vários bebês, com vários tipos de doenças, alguns iriam para suas casas em breve, outros não resistiriam por muito tempo, alguns tinham os pais ao lado e uns infelizmente foram"esquecidos" ali pelas famílias. Achei todos lindos. Queria trazê-los pra casa. (rs)

Na semana seguinte Lúcia me acompanhou até o setor de cirurgia. Fomos ler para crianças que haviam acabado de operar ou que ainda entrariam no centro cirúrgico. Lá conheci uma menina que queria ler os livros para mim, do jeitinho dela, já que ainda não sabia ler. Fiquei um bom tempo ali, ouvindo suas histórias. Depois a Lúcia me chamou para ler para um menino que havia feito uma cirurgia, enquanto seus familiares se ocupavam com a mãe que havia desmaiado. Ele escolheu uma historinha longa, e confesso que um pouco chata, mas gostou e prestou muita atenção ao que ouvia e via. O médico havia mandado que ele bebesse um suco, e mesmo contra a vontade acabou bebendo, sem perceber, enquanto ouvia a história. Saí de lá muito feliz com o resultado do trabalho. Voltamos para a biblioteca e só apareceram alguns adultos procurando livros para passar o tempo. Fui para casa, cansada mas feliz.

No terceiro dia, para minha surpresa, a Mada disse que eu estava pronta para fazer o trabalho sozinha, e dessa vez iria para o ambulatório. Fiquei feliz com a confiança, mas apreensiva: sozinha em um espaço que nunca tinha lido e onde ficam muitas crianças. O ambulatório é o lugar preferido dos voluntários novos, pois é onde ficam as crianças que vão lá só de passagem, não tem tantas crianças muito doentes. Tem gente que não gosta de ver algumas cenas, sinceramente não me importo, na verdade preferia até ler na UTI ou enfermarias. Aceitei minha nova "missão" e fui. Chegando lá o espaço estava repleto de crianças. Peguei o tapete, os livros, chamei-os e sentamos para ler. Muitos já eram maiores e preferiam ler sozinhos, então dei mais atenção aos três pequenos que se sentaram ao meu lado. Eles brincaram e brigaram para ajudar a guardar os livros. Aos poucos o medo do desafio passou, o espaço foi esvaziando e terminou meu horário.

No ambulatório procurei o Wally nos livros, vi o cuidado das crianças com eles, vi novamente que por muitas vezes o problema são os pais e não as crianças, vi a alegria escondida nas histórias simples, nos desenhos coloridos, ouvi muitas historinhas improvisadas, outras da vida real... Conheci muitas crianças fofas, que no pouco tempo que passamos juntas demonstraram tanto carinho, respeito, sem nunca ter me visto, pelo simples fato de naquele momento eu estar ali, dando atenção, dedicando um pouco do meu tempo... Nunca vou esquecer, acho que aí está o grande segredo, toda recompensa de um trabalho não remunerado, é o que não se compra e que nos é dado com tanta sinceridade. É um aprendizado riquíssimo ensinado por essas pessoas que, em sua vida ainda curta, já passaram por coisas que um adulto quando passa acha que o mundo está acabando, enquanto elas passam por tudo com alegria, e uma simples brincadeira faz com que esqueçam onde estão e porque. Olhá-las tão pequeninas com problemas tão sérios só me faz ver o quanto nos preocupamos com coisas idiotas, e fazemos de um simples cisco no olho um dramalhão digno de novela mexicana.

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